quarta-feira, 18 de maio de 2011

O PROFESSOR É UMA VÍTIMA



Gilberto Dimenstein
Com a garantia do anonimato, 710 estudantes em São Paulo foram convidados a respondera perguntas sobre delitos que cometeram ou sofreram na escola - desde o consumo de drogas, agressão, professores, porte de armas, passando por depedraçào até falsificação de documentos.
Imagina-se que, mesmo com o anonimato, o estudante teria receio de registrar uma confissão. Mesmo assim, cerca de 30% admitiram ter falsificado algum documento escolar (nota de boletim, por exemplo) e depredado insatalações.
Quase 40% viram arma branca carregada por um colega; 10% admitiram terem ido armados para a sala de aula. Cerca de 50% disseram ter sido vítima de furto; 37% sofreram ameaças de agressão; 35% tiveram seus pertences danificados.
Por causa da insegurança, uma expressiva parcela - 1 em cada 5 - revelou ter deixado, pelo menos uma vez, de ir à escola.
Detalhe relevante: destinada a investigar o cotidiano escolar, a pesquisa não captou a diferença entre os delitos nas instituições públicas e privadas.
Projeto-piloto preparado pelo Ilanud (Instituto Latino-Americano de Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente), a investigação vai ser reproduzida em nove regiões metropolitanas brasileiras; a Fiocruz, do Ministério d Saúde, vai abordar a violência pela ótica do professor.
Essa primeira experiência realizada em São Paulo mostra como a escola reflete uma sociedade na qual a norma é o desrespeito e falta de ética, com furtos, agressões, falsificações e depredações.
Quando indagados, na pesquisa, sobre os problemas de sua escola, os estudantes reclamaram do excesso de alunos em sala de aula, falta de interesse dos pais, vandalismo, tráfico de drogas e brigas de gangues.
Os alunos se vêem como vítimas. Pouco do que acontece, afirma, é de sua responsabilidade. Entre os menores problemas, segundo a listagemdo Ilanud, estão a falta de interesse e respeito deles; a culpa é do outro.
Até certo ponto o aluno é massacrado.
O massacre menos falado, porém, é o do professor, vítima desse ambiente de desrespeito.
A regra é: ganha pouco, tem carga horária pesada, enfrenta classes lotadas. O inferno mesmo é a indisciplina. Tanto nas públicas comonas privadas.
Ano a ano, os professores dizem ser maisdifícil controlar a sala, salpicada de alunos dispersos ou baderneiros. Já ouvi relatos dramáticos de professores que caem em depressão, por se sentirem humilhados por patricinhas e mauricinhos, incorporando a impunidade nacional.
Estudantes de classe média agem como se os professores, em geral de poder aquisitivo menor, fosse subalternos, empregados que devem ouvir ordens.
Parte da indisciplina é provocada porque o professor é desestimulado, despreparado, o currículo desadaptado da realidade - nenhum educador sério irá discordar dessas carências.
Mas parte é provocada porque pais, por falta de tempo e disposição de se aborrecer, não ensinam limites aos filhos - muitas vezes nem ética. Não dão, portanto, exemplo de respeito.
Porque pagam, terceirizam a educação ética e moral dos filhos, supondo que um professor vai seduzir uma classe de 50 alunos - isso quando dois pais não seduzem um único filho, escravo do desejo em tempo real, desacostumado a se frustrar.
A educação é por definição, estabelecer limites - limites, por exemplo, entre o que não sabemos e temos de saber para enfrentar desafios e obstáculos.
Para ser funcional, o aprendizado exige necessariamente disciplina. Não aquela disciplina burra e autoritária de quem impõe silêncio, obediência, servilidade. Mas o espaço no qual alguém se sente compelido e estimulado a aprender, organizar-se para sitematizar as informações e respeita quem pode ajudá-lo a navegar pelo conhecimento.
Pegue-se o mais indisciplinado e tresloucado roqueiro, que detestava ir à escola - e, no caso dele, talvez com boas razões. Ali não encontraria espaço para dons e sonhos.
Mas a paixão pela música faz dele um ser com grau máximo de disciplina. Basta ver quantas horas ele, absorto do mundo e compenetrado nas cordas, gasta aprendendo a tocar melhor a guitarra, para desgostodos vizinhos.
Tenho dito e repetido que, para uma nação, nenhuma atividade é mais esencial do que o educar - nem mesmo a medicina, que salva vidas, é tão estratégica. Ou o jornalismo, que assegura a liberdade de estar informado. Ninguém é de fato saudável e bem informado se não for educado.
Condenar o professor à prisão em sala de aula é ovio, condenar o país à falta de saúde intelectual.

PS - Pela sua importância, a pesquisa exclusiva está publicada no UOL (no endereço www.aprendiz.com.br).
É leitura obrigatória não só para quem persegue uma educação melhor, mas uma comunidade mais pacífica.

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