quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Um bom exemplo



O Vestidinho Azul
Alfred Prowitt

A primavera de 1909 cegou a Cleveland sem afetar a Avenida Gates. Em torno desse logradouro, o elegante bairro residencial era todo atividade: cavavam-se canteiros, podavam-se gramados, pintavam-se fachadas... Mas na Avenida Gates o que se via era inércia e desleixo.         A rua propriamente dita, era esburacada e desprovida de calçamento. Lá no fim do quarteirão, a estrada de ferro ainda contribuía para aumentar a imundice e tornar mais barulhento o local. Faltava até iluminação pública.         Na escola primária ali perto, quase todas as meninas apareceram com vestidinhos novos naquela primavera; mas a garotinha da Avenida Gates voltou com a mesma blusa encardida e a saia remendada que usara durante todo o inverno. Provavelmente era a única roupa que tinha...         A professora suspirou. Uma menina tão bonitinha..., simpática, estudiosa. Seu rosto vivia sujo, e o cabelo despenteado: mas, apesar disso, percebia-se que a criaturinha tinha feições finas. Compadecendo-se, disse a mestra:         - Minha filha, por que você não lava o rosto antes de vir para a escola? Quer fazer isso para mim?         Na manhã seguinte, a menina veio com as bochechas rosadas de tão limpas, e o cabelo penteado.         A professora animou-se a acrescentar:         - Agora, meu bem, peça à sua mamãe para lavar essa blusa e essa saia...         A aluna continuou a usar o mesmo traje sujo. A mãe deve ser desleixada!  pensou a professora; e, assim refletindo, tomou a iniciativa de comprar um vestidinho azul-vivo, que deu à criança; esta recebeu o presente com grande alegria, e foi correndo para casa. No dia seguinte, estava linda. Comunicou, então, à professora:         - Mamãe quase caiu p'ra trás quando me viu de vestido novo! Papai estava no serviço, por isso não me viu. Mas vai me ver na hora do jantar.         Quando o pai finalmente a viu, piscou os olhos, percebendo de repente que sua filha era um primor... E piscou outra vez, ao ver uma toalha na mesa da sala de jantar. Nunca houvera dessas coisas em sua casa...         - Que história é essa? perguntou.        - De agora em diante a gente precisa cuidar da limpeza, respondeu a mulher. – Nossa filha está dando o exemplo...         Terminado o jantar, a mãe começou a esfregar os soalhos, sob o olhar do marido que,  em silêncio, não escondia sua surpresa. Em seguida caminhou ele até o quintal, e pôs-se a consertar a cerca.         Na noite seguinte, ajudado pela família, limpou o quintal e  principiou a cuidar dos canteiros.         Uma semana depois, um dos vizinhos, intrigado com tanta atividade na casa ao lado, inspirou-se e começou a pintar a sua... pela primeira vez em dez anos.
        Daí a alguns dias o Reverendo Alfred Fleming, jovem pastor duma igreja próxima, passou pela avenida Gates e viu os dois homens a trabalhar. Reparou na rua sem calçamento e na imundice acumulada nos quintais. Bem sabia que aquilo era perigo em caso de incêndio, pois ele próprio tomara parte nos serviços de salvamento, por ocasião do incêndio da Collingwood, que vitimara 173 alunos.  E disse, consigo mesmo: "É preciso ajudar estes homens que tem a energia de procurar melhorar suas casas no meio de tanta sujeira."         Dirigindo-se às autoridades municipais, conseguiu persuadir a Prefeitura a calçar a rua e instalar ali canalização de água e luz elétrica. Feito isso, exerceu pressão junto aos senhorios no sentido de que se procedesse a reparos nas casas, no que foi auxiliado por outras pessoas interessadas em trabalhar pela comunidade.         Pouco a pouco, a avenida foi tomando novo aspecto. As famílias vestiam-se melhor, e alguns dos bêbados costumazes chegaram a abandonar o álcool. Houve, mesmo, famílias que passaram a freqüentar a igreja.         Seis meses depois de a menina ter ganho o seu vestido novo, a Avenida Gates já era um quarteirão bem arrumado, com casas simpáticas e cidadãos respeitáveis.         Notícias de metamorfose, espalharam-se até outras localidades, e resultaram em campanhas semelhantes. Por onde quer que fosse, o Reverendo Fleming ia contando a história da limpeza levada a sério a afeito na Avenida Gates...          Um dia o fato chegou aos ouvidos do capitão J. J. Conway, chefe do Serviço de Limpeza Pública de Cincinnati. Havia anos que ele vinha tentando organizar campanhas em sua cidade, no sentido de pedir a colaboração do povo para diminuir o risco de incêndios; no entanto,  poucos resultados alcançara. Chegara à conclusão de que tais campanhas só teriam êxito se o seu escopo fosse mais amplo, isto é, se tivessem por objetivo "tornar a cidade mais bela, mais segura e sadia para os que nela vivem". Assim foi que, em 1913, com a cooperação de escolares, associações cívicas e outros grupos, realizou-se em Cincinnati a primeira campanha mundial de limpeza em grande escala verificada nos Estados Unidos. 
      A idéia foi-se divulgando. O pastor Fleming abandonou o sacerdócio para dedicar-se inteiramente a esses serviços sociais. Inscreveu-se na Junta Nacional de Seguro contra o Fogo, a fim de fazer propaganda da idéia. Distribuíram-se milhões de panfletos aconselhando limpezas sistemáticas – não só para a prevenção de incêndios, como também para a luta contra a doença e a favor de um padrão de vida melhor. Em muitas cidades e vilas, instituíram-se verdadeiramente cruzadas anuais de pintura e conserto das residências e de outros edifícios. 
        Na primavera de 1947 mais de dez milhões de pessoas, em 7.000 localidades dos Estados Unidos, colaboraram nas campanhas coletivas de saneamento e higiene.         E pensar que toda essa série de melhoramentos resultou de um vestidinho azul, dado de presente a uma menina pobre!
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